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Busca por cidades grandes dificulta sucessão no campo

O desafio da sucessão familiar preocupa, tanto quanto os empresários das cidades, os fundadores do negócio rural, que assistem ansiosos ao processo de contínua migração dos jovens seduzidos pela vida moderna nas áreas urbanas e a promessa de mais oportunidades de trabalho


Publicado em: 17/04/2014 às 09:00hs

Busca por cidades grandes dificulta sucessão no campo

O tema ganha espaço em Minas Gerais nas políticas de organizações ligadas ao agronegócio, a exemplo do SENAR MINAS, da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do estado) e de instituições dedicadas à gestão empresarial, como a Fundação Dom Cabral e o Sebrae Minas. O foco da discussão sobre o destino das fazendas, antes concentrado nos empreendimentos estruturados, passou a envolver as pequenas propriedades rurais.

As estatísticas mais recentes não deixam dúvidas quanto à atualidade do tema. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população rural respondia por 16,2% do total em 2001, universo que diminuiu para 15,17% em 2012, enquanto os moradores urbanos saíram de 83,88% para 84,83% nos 12 anos comparados. A parcela de jovens de 15 a 24 anos que moravam no campo era de 4,99 milhões em 2012, 4,7% a menos na comparação com o início da série.

Em Minas, o movimento não foi diferente: a população urbana aumentou sua cota de 83,4% em 2001 para 84,5% em 2012, ao passo que a do campo recuou de 16,6% para 15,5% na mesma base de comparação.

Os jovens das áreas rurais de 15 a 24 anos formavam um grupo de 14,8% da população estadual em 2012, ante os 17,6% no começo dos anos 2000. Embora a queda da taxa de fecundidade no Brasil já indicasse uma participação menor da juventude, os dados sugerem que pode ter havido um deslocamento dos jovens do meio rural, como observa a supervisora de informações do IBGE em Minas, Luciene Longo.

Há estimativas de que dos 5,2 milhões de estabelecimentos rurais no país, 1,5 milhão, ou seja, quase 29%, foram obtidos por herança, motivo a mais para fortalecer o debate sobre os sucessores nas famílias de produtores rurais. A questão permeia o setor como um todo, dos filhos dos trabalhadores aos empresários estruturados, segundo a professora da Fundação Dom Cabral Maria Teresa Roscoe, da área de desenvolvimento de acionistas e empresas familiares. “As consequências de um esvaziamento no campo podem acarretar desde a descontinuidade das empresas à necessidade de maior uso de tecnologia para substituir a mão de obra e a perda de conhecimento num setor vital para o desenvolvimento do país”, alerta.

Convencimento – Para Antônio do Carmo Neves, superintendente do Senar Minas, a sucessão do negócio rural tornou-se um sério problema para o Brasil, que será responsável até 2050 por 40% da oferta de alimentos no mundo. “De modo geral, a massa de produtores rurais brasileiros não tem essa perspectiva em mente. O êxodo rural é natural, mas aqueles que queiram permanecer no meio rural precisam ser tecnicamente preparados e socialmente comprometidos com o ambiente”, afirma. A preocupação levou o Senar Minas a trabalhar na construção do perfil dos jovens que participam dos cursos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) para saber até que ponto eles desejam permanecer na atividade. Serão oferecidas, neste ano, por meio do programa, 5.345 vagas a jovens de 159 municípios do estado.

Em Itaguara, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a extensionista da Emater-MG Vera Lúcia Rodrigues teme o abandono de propriedades rurais e levou a discussão à reuniões com pais e filhos de produtores rurais. “A maioria dos jovens sai do município em busca da oportunidade de ensino de qualidade”, afirma. O destino principal tem sido a cidade vizinha de Cláudio, polo da indústria mineira de fundição, distante 22 quilômetros, que por pouco não se tornou endereço permanente dos filhos de Antônio Rabelo de Andrade, um agricultor de 60 anos que já dedicou metade da vida à Fazenda Conceição do Pará.

Família unida – Na tentativa de impedir que Fernando Cássio de Andrade, Fábio Júnior Rabelo e Flávio de Andrade deixassem a propriedade para procurar trabalho nas fábricas da região, Antônio repartiu a terra para incentivá-los a continuar na lida com o gado e a plantação. “Eu até arrendei pedaços de terra. Vale a pena trabalhar no campo e fiquei muito satisfeito de poder plantar com meus filhos e instalar a irrigação com eles”, afirma. A assistência dos técnicos da Emater-MG e a crença de Fernando e Fábio na possibilidade de o negócio prosperar foram fundamentais para a família permanecer unida.

As mudanças na propriedade nos últimos cinco anos transformaram o dia a dia dos irmãos. Fernando e Fábio agora são donos do negócio próprio, servido de caminhão, trator e carro. A horta irrigada se estende em 3 hectares e o leite é resfriado em equipamento apropriado na propriedade rural. A casa que construiu na fazenda é motivo de orgulho para Fernando, aos 30 anos. “Antes, só havia o terreno e dois canteiros de horta, e pensei em sair, porque a renda não compensava”, conta. Falta convencer o irmão mais novo, Flávio, a investir na fazenda.

Apoio técnico ajuda a sensibilizar jovens – Nas pequenas propriedades familiares dedicadas à produção de café comercializado pela Cooxupé, com sede em Guaxupé, no Sul de Minas Gerais, a sucessão tem sido um processo natural, na avaliação de Jorge Florêncio Ribeiro Neto, gerente de comunicação e marketing da cooperativa, que reúne 11,5 mil cafeicultores de mais de 200 municípios do Sul de Minas Gerais, Alto Paranaíba (região do cerrado mineiro) e do Vale do Rio Pardo, em São Paulo. “Muitas vezes, os proprietários vivem mais de 50 anos na condição de prover mão de obra da própria família. A sucessão costuma ser quase natural ou nem ocorre como o processo que conhecemos nas empresas”, afirma.

A política de orientação aos produtores conduzida pela cooperativa tem como foco a preparação dessa maioria de agricultores familiares – eles representam cerca de 86% dos cooperados – para lidar com uma atividade em constante mudança e evolução no uso de tecnologia. A Cooxupé emprega 160 técnicos, dos quais 70 atuam diretamente no campo, além das 16 unidades demonstrativas montadas todo ano, num trabalho que também leva à fixação das pessoas no meio rural, observa Jorge Florêncio. Boa parte delas, segundo o representante da Cooxupé, passa a viver nas cidades em razão do maior acesso à educação, mas sem abandonar a fazenda.

A opção de estudar numa das cidades de médio porte mais desenvolvidas de Minas, Uberlândia, no Triângulo, é que, de fato, deu condições a Suzana Pereira Batista dos Santos de se profissionalizar na área de gestão do agronegócio para conduzir junto do pai, Fausto Pereira Batista, e da mãe, Lucineide Pereira da Cunha, a Fazenda Paraíso, em Nova Ponte, no Alto Paranaíba. Aos 24 anos, Suzana leva a quarta geração ao negócio, empenhada em projetos de irrigação de pastagens e instalação de pivô na lavoura, na busca de mais eficiência e produtividade das terras deixadas pelo bisavô José Pereira.

“Passei cinco anos fora para estudar, mas quis trabalhar na fazenda. Vejo muitos desafios, desde a questão ambiental, a criminalidade, que preocupa até mesmo no escoamento da produção, até a política de preços que não ajuda o produtor”, afirma. Suzana escolheu o curso superior de gestão do agronegócio ministrado em Uberlândia e fez pós-graduação em comércio exterior e gestão financeira na vizinha Uberaba. O marido Joaquim, de 27 anos, formado em agronomia, seguiu idêntico caminho, se preparando para suceder os país na fazenda da família em Santa Juliana. A irmã mais nova, Poliana, de 20 anos, tomou a mesma decisão.

A professora Maria Tereza Roscoe, da Fundação Dom Cabral, tem observado aumento da procura de jovens pelos cursos de especialização em gestão de projetos, negócios e área financeira, alguns deles com disposição para retornar à fazenda dos pais e uma outra parcela interessada na migração de carreira. “O papel das entidades do agronegócio é muito importante no sentido de sensibilizar os jovens para que eles possam buscar o meio rural como o ideal. Ajudaria explicitar as vantagens e resgatar o glamour da vida no campo”, afirma.

O Senar Minas criou o Programa Gestão com qualidade em campo, voltado para o gerenciamento da propriedade, por meio do qual trata da sucessão na propriedade. Em Araxá, no Alto Paranaíba, começou a trabalhar este ano num projeto piloto para capacitar os jovens para se tornarem gestores das fazendas. A iniciativa tem a parceria do grupo Jovem Capal, formado por 30 pessoas entre 15 e 29 anos que integram a Cooperativa Agropecuária de Araxá.

Fonte: Estado de Minas

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