Agrotóxicos e Defensivos

Aviação agrícola exige preparo e cuidado na aplicação de defensivos

Conheça a rotina de alguns dos 1.500 profissionais que sobrevoam as plantações brasilieras


Publicado em: 26/07/2016 às 19:30hs

Aviação agrícola exige preparo e cuidado na aplicação de defensivos

Todos os dias, Bruno Gomes Tagliari, de 34 anos, levanta às 5 horas e, antes mesmo do café da manhã, olha o céu para conferir como está o tempo. Se o clima é bom, ele se prepara para encarar mais um dia de trabalho na lavoura. Mas Bruno não suja as botas no campo: está sempre nas nuvens, pilotando avião.

Na pista de terra no meio do canavial, ele checa o equipamento, confere os comandos da cabine, o óleo do motor, os freios, as rodas. Enquanto isso, um técnico agrícola já preparou o defensivo agrícola que será aplicado na lavoura e o bombeou para o tanque de 1.980 litros da aeronave.

Em seguida, o piloto recebe um relatório agronômico do produto que vai aspergir, programa o GPS – equipamento fundamental no serviço –, liga o motor e levanta voo. Em instantes, estará voando a apenas 5 metros de altura em relação à lavoura, a 230 quilômetros por hora, com as mãos no manche, os pés nos pedais, controlando o leme de direção, que está na parte traseira da aeronave, e os olhos atentos para qualquer imprevisto, sobretudo fios elétricos, pássaros e árvores.

Bruno está entre os 1.500 profissionais brasileiros que, segundo levantamento do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), sobrevoam as lavouras aspergindo defensivos, fertilizantes, além de lançar sementes nos campos. A aviação agrícola acompanha o ritmo do crescimento do agronegócio brasileiro. De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), 2.035 aviões agrícolas estão registrados no órgão atualmente. Em 2011, eram 1.695.

É um trabalho para poucos, que exige perícia, atenção intensa e uma boa dose de conhecimentos sobre agricultura. Bruno conta, com bom humor, que se considera um verdadeiro tratorista do ar. No curso que pilotos comerciais fazem – depois de já terem mais de 370 horas de voo – para se habilitar como pilotos agrícolas, boa parte da grade teórica aborda mais os assuntos relacionados às lavouras do que à aviação.

Bruno sonhava em ser um piloto de caça, mas acabou indo para a aviação civil. “Daí, optei por ser piloto agrícola porque gosto da interação homem-máquina. No nosso caso, não existe piloto automático. Temos de agir o tempo inteiro”, explica.

Agir o tempo todo significa também desviar de pássaros. Na região onde Bruno voa, urubus e gaviões-carcará são os obstáculos mais comuns. “É preciso ter técnica, calma e precisão. Sempre desviar para cima, pois o animal vai mergulhar”, comenta o piloto.

O técnico de solo também informa ao piloto qualquer adversidade que possa atrapalhar o voo. Tudo é controlado ao máximo, inclusive para evitar que se repita uma situação que o piloto viveu em 2011. Trabalhando na região de Campo Grande (MS), ele colidiu com um fio de eletricidade. Felizmente, conseguiu controlar o avião e não caiu. O fio se rompeu e levou junto quatro cabeças de postes.

Acidente

Dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) mostram que, entre 2010 e 2015, aconteceram 132 acidentes com aviões agrícolas no Brasil, nos quais 29 pessoas morreram. Ainda não há dados dos primeiros três meses de 2016, mas somente em um acidente registrado em Londrina, no dia 20 de janeiro, morreram seis pessoas.

Um avião agrícola havia decolado do Aeroporto 14 Bis, no fim da tarde, com destino ao interior de São Paulo. Pouco depois, com problemas, o piloto tentou retornar à pista. Não deu. Ele caiu antes, em uma rodovia estadual, atingindo em cheio uma Kombi com trabalhadores da construção civil que voltavam de uma obra. Todos os que morreram estavam no veículo. O piloto teve ferimentos, mas já está bem. O Cenipa ainda investiga as causas do acidente.

Segundo dados do Cenipa, 65% dos acidentes que ocorreram entre 2010 e 2015 foram registrados em quatro Estados: Rio Grande do Sul (19,7%), São Paulo (18,94%), Mato Grosso (17,42%) e Paraná (9,8%).

O especialista em prevenção de acidentes aeronáuticos, o major-aviador do Cenipa, Daniel Moreira Peixoto, de 35 anos, diz que a atividade realizada pelos pilotos de aviões agrícolas “tem margem restrita de erros”. Mesmo assim, ele não considera os voos de alto risco. “Todo voo tem seu risco”, argumenta.

Questionado se considera alto o número de acidentes no Brasil, ele diz que não. “O número absoluto não diz muita coisa, porque nós não conseguimos mensurar quantos acidentes evitamos. Mesmo no ano de 2014, quando tivemos mais acidentes (29), será que não evitamos outros 2.900? Acreditamos que o trabalho de prevenção deve ser constante e o trabalho de conscientização também”, justifica o militar.

Com a experiência de quem é piloto de aviação agrícola desde 1980, Rolemberg Vidotti, de 60 anos, concorda com o major-aviador Peixoto. “O voo que fazemos é trabalhoso, intenso, mas não se torna de alto risco quando atuamos preventivamente, seguindo normas de segurança, atuando com treinamentos”, diz ele.

Ele é proprietário da Viagro, empresa à qual pertencia o avião que se envolveu no acidente em Londrina. “Foi uma tragédia. Um piloto muito preparado, tanto que vai continuar trabalhando conosco, comandando um avião com toda a manutenção rigorosamente em dia. Se a Kombi tivesse meio segundo para frente ou para trás, não haveria a colisão. Infelizmente, acidentes acontecem em qualquer tipo de aviação, mesmo quando se faz tudo certo.”

Botinudo e ninja

Rolemberg começou a voar quando um ditado era comum na aviação agrícola: “Piloto bom é aquele que suja o pneu do avião com folhas de soja”. Quem contratava exigia que se voasse muito baixo. Hoje, estudos técnicos mostram que o ideal é voar de 3 a 5 metros da lavoura. “Evoluímos muito. A aviação agrícola de hoje é ambientalmente correta e eficiente, principalmente com o advento do GPS, que dá ao piloto, em tempo real, as informações exatas de onde ele já pulverizou”, destaca Rolemberg.

Também experiente, voando desde 1993, José Marcelo Morandi, de 45 anos, que trabalha em uma área de cana-de-açúcar no município de Jaguapitã, no norte do Paraná, diz que o piloto agrícola, para ser feliz na profissão, tem de ter o espírito do homem do campo, “ser botinudo”, nas palavras dele. “E tem mais uma coisa. Há quem diga que piloto agrícola tem de ser ninja. O dia em que ele se achar ninja, estará derrotado na profissão. É preciso ser consciente, concentrado e gostar do que faz”, destaca José Marcelo.

Na última vez em que o Sindag fez um levantamento, em 2014, havia apenas seis mulheres pilotando aviões agrícolas no Brasil. Uma delas é Juliana Aparecida Torchetti, de 36 anos. Mineira de Belo Horizonte, filha de um encanador e de uma costureira, ela se apaixonou ainda menina por aviação. Olhava os aviões e ficava imaginando como objetos tão pesados podiam voar, sonhando com o dia em que poderia pilotar um daqueles.

Primeiro fez o curso de comissária de bordo. Trabalhou seis anos em uma companhia aérea e utilizou o dinheiro para bancar os cursos de piloto. Formada, aos 26 anos, aprimorou-se até ser contratada por uma grande companhia.

Durante dois anos, voou pelo Brasil levando dezenas de passageiros a cada viagem. Depois, passou outros dois anos pilotando grandes aviões de carga. “Porém, eu sempre quis pilotar aviões agrícolas. Sou da capital, mas, quando criança, ia para o sítio de familiares da minha mãe no interior. Então gosto de estar na lavoura. E gosto também do estilo de voo, de estar sozinha na cabine, sem auxílio de piloto automático”, relata Juliana.

Há três anos, ela trocou a aviação de carga pela agrícola. Atualmente, trabalha no Triângulo Mineiro, em áreas de cana-de-açúcar, e vai espantando a surpresa daqueles que se admiram em ver a cena rara de uma mulher comandando um avião agrícola.

Sobre os riscos da atividade, Juliana diz que, sim, eles existem, mas são superados com profissionalismo. “Temos de acabar com esse estereótipo, segundo o qual piloto de aviação agrícola é maluco. Tudo em nosso voo é controlado, desde a presença de obstáculos até a aplicação, com margem de segurança para trabalhadores, animais, suspensão e deriva do produto. Nada é aleatório”, diz ela.

Um piloto de aviação agrícola dificilmente tem trabalho nas lavouras o ano todo. Os serviços variam de acordo com o calendário agrícola de cada região do país. Mas, em um mês bom, dá para faturar entre R$ 20 mil e R$ 30 mil.

Na média, o presidente do Sindag, Nelson Paim, estima que o rendimento mensal em um ano fique na casa dos R$ 8 mil, considerando que, em alguns meses, o profissional não vai conseguir trabalho, por causa do período de entressafra. “O trabalho no Centro-Oeste coincide com o mesmo período de safra do Nordeste e do Sul.

Então, em média, eles trabalham de quatro a seis meses por ano”, diz. Atualmente, o custo médio do trabalho de avião por hectare gira em torno de R$ 15,30 a R$ 25, dependendo da região agrícola. O setor deve faturar em torno de R$ 1,3 bilhão em 2016.

Fonte: Globo Rural

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