Pesquisas

Vacina viva contra Salmonelose Aviária

O professor da Unesp, Ângelo Berchieri Junior, fala sobre o desenvolvimento da primeira vacina viva brasileira para Salmonelose Aviária, elaborada a partir de uma modificação genética na própria bactéria


Publicado em: 26/06/2015 às 00:00hs

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Ângelo Berchieri Junior: Professor da Unesp
Por: Por Humberto Luis Marques e Rodolfo Antunes, de Jaboticabal (SP)

Em pesquisa científica, uma simples pergunta pode mudar o rumo de todo um estudo. Durante dez anos o pesquisador Ângelo Berchieri Junior procurou compreender os processos metabólicos das bactérias, com foco em Salmonella Gallinarum, Salmonella Pullorum e Salmonella Enteritidis. As duas primeiras responsáveis por severas perdas na avicultura causadas pelo Tifo Aviário e Pulorose, respectivamente. A terceira devido a seu alto impacto em saúde pública, sendo um dos agentes principais em contaminações alimentares em todo o mundo.

Os estudos moleculares começaram em 2001, realizados inicialmente em parceria com o Institute for Animal Health, no Reino Unido. Berchieri é professor Titular da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FCAV-Unesp), em Jaboticabal (SP). As salmonelas se alojam no interior das células, sintetizando a vitamina B12 para poder respirar, em um processo anaeróbico. Durante a pesquisa, a partir da inativação de genes importantes do operon Cob, uma série de experimentos foi realizada.

Berchieri notou que ao inocular aves com a estirpe de S. Gallinarum contendo genes defectivos relacionados a ativação do operon Cob, que é responsável pela síntese de vitamina B12 em anaerobiose, não havia registro de mortalidade. O Tifo Aviário causa alta mortandade nos lotes infectados. "O raciocínio foi: se ela infecta sem causar a doença, não poderia ser utilizada como vacina?", recorda o pesquisador. O questionamento feito à época levou a uma estirpe vacinal nomeada como Salmonella Gallinarum ΔcobS ΔcbiA. Já em teste de campo, é a primeira vacina viva contra salmonelose aviária desenvolvida no Brasil.

Nesta entrevista, o pesquisador relembra os principais aspectos relacionados ao desenvolvimento desta nova vacina, obtida a partir de uma modificação genética na própria bactéria. Discute ainda os possíveis fatores que podem ter levado ao ressurgimento do Tifo Aviário dentro da avicultura brasileira, algo que se pensava plenamente controlado. Comenta sobre os impactos de S. Enteritidis em saúde pública, explicando como a vacina não só imuniza contra este sorovar, mas também contra S. Pullorum. Confira.

Avicultura Industrial - A salmonelose aviária pode ser considerada atualmente uma das principais doenças de impacto econômico dentro da avicultura brasileira?
Ângelo Berchieri Junior - Pode. A salmonelose aviária ganhou importância mundial a partir de 1984, quando surgiram casos de infecção humana por Salmonella Enteritidis, sendo que a fonte destas infecções eram produtos de origem avícola. Para se ter uma ideia da dimensão deste caso, a OIE [Organização Mundial de Saúde Animal] estabeleceu regras específicas para o controle de Salmonella em aves. S. Enteritidis não é um problema direto para as aves, mas se tornou preocupante para a avicultura mundial devido às infecções alimentares em seres humanos, cuja origem mais comum estava associada a produtos avícolas. Esta é uma das vertentes da importância da salmonelose. Há três tipos em aves. A chamada Pulorose, a intitulada Tifo Aviário e outras conhecidas como Paratifo Aviário.

Quais sorotipos de Salmonella spp. são responsáveis por doenças em aves?
Existem mais de 2.600 sorovares conhecidos de Salmonella. Os que provocam doenças em aves são os biovares S. Pullorum, responsável pela Pulorose, e S. Gallinarum, que causa o Tifo Aviário. Ambos são considerados biovares do sorovar Salmonella Gallinarum. Todos os demais podem ser encontrados em aves, embora boa parte deles também seja comumente detectado em outros animais e seres humanos. Uma vez ingerida, as bactérias paratíficas se multiplicam no trato digestivo. Durante todo o ciclo produtivo, as aves permanecem sobre suas fezes na cama do aviário. Mesmo em gaiolas, há uma proximidade muito grande. Estamos falando de cem mil ou até um milhão de aves. Esta alta concentração favorece a proliferação de salmonelas paratíficas, que não possuem um hospedeiro específico. Esta facilidade de transitar entre as espécies, atrelada à correlação existente entre elas e o trato digestivo das aves, onde se multiplicam bem, faz com que uma vez presente na granja seja muito difícil eliminá-las. Estando ali, podem facilmente chegar até o produto final: carne ou ovos. Do ponto de vista econômico, o controle das paratíficas é de alta relevância exatamente por seu impacto em saúde pública.

Elas não chegam a provocar nenhum tipo de infecção nas aves?
Até causam doenças em aves, mas nem sempre. O que é um problema, porque podem estar presentes na granja e não serem percebidas. Além disso, podem chegar aos lotes pela via vertical, ou serem trazidas por outros animais como roedores, por exemplo. No caso de S. Pullorum e de S. Gallinarum é diferente. Uma vez introduzida no plantel, provocam enfermidades com severos prejuízos, com alta mortalidade. S. Pullorum está ligada à transmissão transovariana; enquanto S. Gallinarum está muito associada às condições higiênicas da granja.

Qual a atual situação de controles destas salmonelas?
Há uns três anos o Tifo Aviário reemergiu em praticamente todos os Estados brasileiros com importância na avicultura industrial. Como S. Gallinarum tem uma disseminação menos efetiva do que as paratíficas, era um processo que já devia estar ocorrendo e não foi percebido. Quando foi instalado o Plano Nacional de Sanidade Avícola [PNSA] em 1994, uma de suas razões era o controle das salmoneloses. Com o controle das responsáveis por infecções em aves, o foco maior foi para S. Enteritidis devido às infecções alimentares. Não havia mais registros de Tifo Aviário e Pulorose como nestes três últimos anos. De repente se passou a ter registros destas enfermidades em vários lugares ao mesmo tempo. Eu, pelo menos, não sei por quê.

Estes casos de Tifo Aviário tem ocorrido em aves de corte ou em poedeiras?
Os registros tem se dado mais em poedeiras. Como elas estão em áreas abertas, com um menor controle, acaba sendo mais fácil identificar o problemanestas aves. O preocupante é que temos notícias de casos em aves reprodutoras. De acordo com o PNSA, a detecção de S. Pullorum ou S. Gallinarum em reprodutoras leva a completa eliminação do lote e obriga a propriedade a fazer uma notificação oficial. Há uns dois anos foi realizado um evento em Campinas [SP] pela Ubabef [União Brasileira de Avicultura], no qual um colega apresentou dados relativos a esta reemergência da enfermidade. Os representantes do PNSA presentes ao evento desconheciam estes dados. Tinham a informação de um ou dois casos em quatro anos.

Qual fator explicaria esta reemergência do Tifo Aviário?
Estamos trabalhando na universidade para verificar se S. Gallinarum também pode ser transmitida pela via vertical. Os testes preliminares demonstraram que uma vez infectada e doente, a ave não bota e morre pelo Tifo Aviário. Então, seria difícil esta via de disseminação. Em outro teste, colocamos S. Gallinarum na parte externa da casca. Antes da fase aguda, uma ave doente poderia botar e outra próxima a ela ter contato direto com este ovo. No entanto, a bactéria não resiste na casca, morre. Introduzimos então S. Gallinarum diretamente na gema. O embrião do pintinho não se desenvolve, mas o interior do ovo fica lotado de Salmonella Gallinarum viva. Isso nos levou a perguntar: como uma ave teria Salmonella e este ovo iria para incubação? Em nossos experimentos, verificamos que se as aves portadoras da bactéria não apresentavam a doença e eram tratadas com antibióticos, pareciam sadias. Só que 30 dias depois, ao sacrificá-las e examinar ovário, baço e fígado, a bactéria se encontrava presente. Isto nos levou a imaginar que talvez alguma inferência humana possa estar contribuindo com a disseminação dessa bactéria por esta via vertical.

Como assim?
O antibiótico nem sempre mata a bactéria. Muitas vezes ele cria condições para que o sistema imune do animal desenvolva formas de controlar a infecção. O uso desordenado de antibióticos, às vezes, faz com que a bactéria se "esconda" dentro do organismo. Ela não morre. Passado um determinado tempo, o próprio animal desenvolve certa proteção. Provavelmente tenha acontecido isso. Esta bactéria permaneceu na ave, criando uma situação de tolerância. Presente nos órgãos, ela tem capacidade de chegar até o ovário. Ali, por meio da circulação sanguínea, pode atingir os folículos [gema]. Desta forma, a ave bota um ovo já com uma carga grande de bactérias. Estes ovos podem ter chegado ao incubatório. Mesmo que o pintinho não nasça, alguns deles podem ter se quebrado durante a manipulação, contaminando todo o incubatório. É uma hipótese do que pode ter acontecido. Obtivemos informações de granjas reprodutoras que não possuíam incubatórios e apresentaram o problema. Ainda acredito que a via vertical não é a mais comum, mas a manipulação ou alguma atitude humana pode ter contribuído para que o incubatório passasse a participar da disseminação de Salmonella.

Poderíamos considerar este o principal fator?
Diante dos resultados que obtivemos, pode ter acontecido. É uma hipótese. Em um incubatório há um intenso trânsito de caminhões trazendo ovos ou levando pintinhos. Há os dejetos gerados no próprio incubatório. Pode ser que tudo isto tenha colaborado, incluindo esse mascaramento da bactéria pelos medicamentos e, junto com tudo isso, a falta de notificação no caso de aves reprodutoras, o que levaria a necessidade de se eliminar todo o lote.

A determinação de se eliminar um lote positivo é apenas para aves reprodutoras?
As aves de corte e para a produção de ovos comerciais não têm legislação específica sobre isto. Agora está começando a ter. Mas, até então, a Portaria Ministerial nº 193 de 1994 diz o seguinte: lotes de aves reprodutoras com S. Pullorum ou S. Gallinarum têm de ser abatidos. Lotes com presença de S. Typhimurium e S. Enteritidis podem ser tratados. Neste caso, passam para a categoria controlados. Durante todo o período de tratamento os ovos não podem ser utilizados, o que só poderá ser feito após resultado negativo em monitoria. Mesmo no caso das salmonelas paratíficas, entre um teste e outro tem-se o período de cerca de um mês. Imagine 30 dias só quebrando ovos. O custo é enorme. E para onde vai todo este material depois? São fatores que poderiam estar favorecendo a disseminação de S. Gallinarum pelo País.

Os plantéis são enormes hoje também.
Hoje, temos granjas com até um milhão de aves. No caso das propriedades de ovos comerciais com sistema vertical de criação, a tarefa de retirar galinhas mortas não é fácil. Só que elas constituem-se no principalmeio de contaminação das que estão ao seu redor. Isto já foi foco de experimentos aqui na universidade. Quando uma ave morta fica por um ou dois dias na gaiola, o número das que contraem a doença é enorme. Se ela é retirada logo após a morte, apenas uma ou duas de cada 100 adoece. Alta densidade, grandes volumes de fezes, manipulação inadequada de todo este material, que pode ficar por longo tempo em locais inapropriados da granja, são fatores favoráveis à disseminação do Tifo Aviário.

Nas produções, quando há o registro do Tifo Aviário, os prejuízos são decorrentes apenas da alta mortalidade ou podem ser decorrentes de baixa performance, sem uma perda considerável de aves?
É difícil responder porque as informações nunca são totalmente corretas. Sei que há lotes de aves comerciais cuja perda chega a 50-70% do total alojado. Um detalhe importante. A doença aparece, geralmente, na fase adulta. São seis meses de criação e no momento em que haverá o retorno com a produção de ovos, começa a mortalidade. Imagine o prejuízo. Não há, inclusive, como repor estas aves. É preciso ter muito cuidado porque esta enfermidade gera um transtorno gigantesco para a granja. Hoje, qualquer galpão possui 40-50 mil aves. Em lotes de matrizes afetados, o prejuízo pode ser de R$ 1 milhão.

Entre detectar a presença de S. Gallinarum e a mortalidade, o período é curto?
É bem curto. Experimentalmente, são cinco a sete dias após infectar a ave pelo bico, que é o caminho normal, ou após a colocação de uma ave morta junto às sadias. A mortalidade é o sinal da doença, mas primeiro ela apresenta tremores, como se estivesse com frio. Neste estágio, a ave para de botar e mais um dia ou dois ela morre. Este processo pode chegar a 14 dias, dependendo muito do número de bactérias que ela ingere e do seu estado de saúde. O Tifo Aviário se manifesta principalmente em aves pesadas, que são as matrizes dos frangos de corte, e aves semipesadas [aves vermelhas]. No caso das brancas e leves, são poucas as que adoecem. Só que tem um problema nisto. As bactérias ficam no seu organismo por várias semanas; se elas morrerem por outro motivo qualquer, a bactéria se espalha na carcaça e se torna fonte de infecção.

Por que as aves pesadas e semipesadas são mais suscetíveis à doença?
É genético. A performance zootécnica da ave está baseada em genética e nutrição. Claro, depois tem a influência de uma séria de outras variáveis, mas a principal é a relação entre estes dois fatores. Todos os estudos de melhoramento genético com foco no controle de doenças prejudicam a parte de desempenho zootécnico. Os pesquisadores sabem em quais genes trabalhar para gerar resistência na ave a determinadas enfermidades ou agentes. A ave poedeira branca produz ovos brancos leves, embora hoje algumas linhagens já produzam ovos um pouco mais pesados. Bem, a mortalidade desta ave branca que põe ovos brancos leves é muito pequena. Isso hoje, como era antes. É preciso lembrar que os materiais genéticos mudam ano a ano. As variedades vão sendo melhoradas para serem mais rústicas, botarem mais ovos, etc. Comento isto porque minha base de análise são as linhagens disponíveis hoje. Esta característica das aves leves de resistência à salmonela pode mudar daqui alguns anos, conforme os rumos dos programas genéticos.

O senhor esteve à frente de pesquisas realizadas aqui na Unesp que resultaram no desenvolvimento da primeira vacina viva brasileira contra salmonelose aviária. Poderia comentar um pouco como se deu todo este processo?
Não sei se é a primeira, mas acho que sim. Hoje, com a biologia molecular é possível desenvolver uma vacina de uma forma bem rápida, se o pesquisador quiser. O conhecimento que se tem para "nocautear" um gene é o mesmo para qualquer um dos genes contidos no genoma do micro-organismo. Claro, com a ressalva que uma coisa é "nocautear", outra é apresentar os resultados práticos que se espera. Começamos a trabalhar em 2001 neste projeto. Não estávamos preocupados em produzir uma vacina, queríamos entender o metabolismo bacteriano. Estes estudos começaram na Inglaterra em parceria com o Dr. Paul Barrow do Institute for Animal Health em Compton, Reino Unido. Foi o primeiro estudo molecular que realizamos. S. Pullorum, S. Gallinarum e S. Enteritidis são muito parecidas. A diferença é que S. Enteritidis possui flagelos e as outras duas não. Apesar de similares, o comportamento delas em relação às aves se difere bastante. Queríamos entender o porquê disto. Então, o propósito foi o de estudar a fisiologia bacteriana.

E como se deu este processo?
O primeiro pensamento foi: onde se aloja a bactéria na ave? Ela fica no interior das células; e ali o ambiente encontra-se em anaerobiose. Elegemos então vários genes relacionados com respiração em anaerobiose. Uma meia dúzia. Fizemos combinações e chegamos a dois genes: o cobS e o cbiA, que são do operon Cob. Este operon é responsável por sintetizar a vitamina B12 em condições anaeróbicas pela bactéria. O nosso raciocínio foi: se bloquearmos as vias que ela tem para respirar em anaerobiose, o que vamos encontrar? Isto foi o que começamos a tentar. S. Typhimurium tem sido o micro-organismo do gênero Salmonella padrão para estudos a respeito da bactéria, da relação hospedeiro-parasita e moleculares em modelos animais. Na Inglaterra, preparei vários mutantes de S. Typhimurium com estes genes inativados. Foram vários experimentos e testes. Então, fizemos o mesmo com S. Pullorum, S. Gallinarum e S. Enteritidis.

Quais foram os resultados?
S. Enteritidis ficou mais agressiva do que o normal. Não houve alteração para S. Pullorum. No caso de S. Gallinarum, que no controle matava de 80% a quase 100% das aves, a partir da inativação dos genes, passou a não provocar mortalidade. Isto chamou nossa atenção, por isto evoluímos nos estudos com foco maior em S. Gallinarum. O raciocínio foi: se ela infecta sem causar a doença, não poderia ser utilizada como vacina? O princípio de uma vacina é provocar imunidade no organismo. Quanto mais parecido o antígeno com a bactéria patogênica, no caso dos micro-organismos vivos, melhor é a reação do sistema imune. Resolvermos testar.

De que forma?
Pegamos esta nova estirpe, a qual chamamos de Salmonella Gallinarum ΔcobS ΔcbiA, e oferecemos para as aves. Depois, desafiamos com S. Gallinarum. Diversos modelos foram experimentados, registrando sucesso. Utilizamos para S. Enteritidis. O êxito não foi idêntico ao de S. Gallinarum, mas também demonstrou bons resultados.

Por que esta diferença nos resultados?
As salmonelas paratíficas estão muito associadas ao trato digestivo. Diferente de S. Gallinarum, que uma vez ingerida pela ave segue para a corrente sanguínea, não permanecendo muito tempo no intestino. Não o suficiente para provocar uma imunidade local, como seria o caso de uma estirpe de S. Enteritidis. Mesmo assim, a estirpe Salmonella Gallinarum ΔcobS ΔcbiA produz certa imunidade, a qual contribui para reduzir a presença de S. Enteritidis no intestino.

O resultado destes trabalhos é uma vacina viva, mas com uma modificação genética na bactéria. Como isto funciona?
É uma modificação genética permanente na bactéria. É preciso ter esta segurança para se produzir uma vacina. A estirpe bacteriana permanece com as mesmas substâncias e estruturas. A única diferença é que o operon responsável pela produção da B12 torna-se incapaz de sintetizar esta vitamina. A modificação é somente esta.

Como a bactéria fica atenuada, então?
As bactérias sintetizam a vitamina B12 em anaerobiose para respirar. Sem este processo respiratório funcionando adequadamente, elas vivem menos tempo na ave. Os resultados dos nossos estudos apontaram que o período de sobrevivência dela no organismo é curto a ponto de não provocar a doença. Mas, tempo suficiente para que o sistema imune reconheça o agente patogênico e crie mecanismos de defesa contra.

Esta vacina seria aplicada somente em reprodutoras?
Como é uma vacina viva, pode ser aplicada em qualquer ave. Tanto em reprodutoras quanto em poedeiras comerciais, onde se tem registrado o maior número de casos, como também, em frangos de corte, podendo ser feito no primeiro dia de vida. No entanto, são os testes de campo que irão determinar as melhores condições de aplicação. O interessante é que se façam duas vacinações. Como é uma bactéria atenuada, a segunda aplicação seria um booster da primeira. Por ser atenuada, a quantidade de bactérias que passa para a circulação sanguínea é menor quando ingerida via água em relação a uma situação de infecção natural.

Especificamente para S. Enteritidis, esta seria uma vacina cuja aplicação poderia ser feita também em frangos de corte, poedeiras comerciais e reprodutoras?
Sim. O tipo de ave não importa. Quanto ao controle de S. Enteritidis, se os resultados forem bons, não haverá aquele período de restrição em relação ao consumo humano do produto. S. Gallinarum não tem a implicação em saúde pública que tem S. Enteritidis.

Seria uma única vacina para S. Enteritidis e também para S. Gallinarum e S. Pullorum?
Sim. S. Gallinarum, S. Pullorum e S. Enteritidis possuem uma parede celular chamada LPS [lipopolissacarídeos], que tem antígenos dentre os quais o mais importante é o doze. As três têm o mesmo antígeno de parede. O que difere? S. Enteritidis possui flagelo. Então, ela é móvel e as outras duas não. Além disto, tem os antígenos de flagelos, g e m. No restante, diversas partes de S. Enteritidis são muito parecidas com a de S. Gallinarum. Por isto, há esta identificação no momento de provocar imunidade na ave.

O Brasil possui uma avicultura de extrema relevância no cenário mundial. Por que nunca se produziu vacinas contra salmonelose aviária no próprio País? Há falta de pesquisas, tecnologias para produção?
A maioria dos laboratórios é multinacional. É difícil para um laboratório brasileiro competir. Como disse, fiquei dez anos estudando isto. Imagine o custo para uma empresa nacional. Quando procuram a universidade, geralmente querem uma solução pronta. Não querem investir porque fica caríssimo. No nosso caso, quem está financiando é a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] e o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] na forma de bolsas de estudo, auxílio à pesquisa, etc. Se somarmos estes dez anos, creio que ultrapasse o valor de R$ 1 milhão. Em relação às empresas multinacionais, elas trazem pronto do exterior. Não há necessidade ou às vezes nem permissão para desenvolver no Brasil. Embora já exista certa mudança neste comportamento, ainda é pequena a procura da universidade pela indústria brasileira. É quase como se fôssemos estranhos um para o outro.

Não há nenhum tipo de integração entre empresa e universidade?
A Fapesp está promovendo isto de uma maneira bem efetiva hoje. Ela tem disponibilizado recurso a fundo perdido em um programa chamado Pipe [Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas]. Se o projeto for aprovado, a empresa recebe o dinheiro. Ela não tem que devolver nada porque em pesquisas como estas se pode ter ou não o resultado esperado. Só que parece não haver interesse por parte das empresas da área. Eu mesmo conto isto para várias pessoas do mercado. Nunca vi ninguém ir até a Fapesp. Dos projetos que recebo para relatar, também nunca vêm nada da nossa área. Falta iniciativa do setor privado em relação à universidade. Os empresários precisam compreender que um produto não é obtido da noite para o dia. A maioria das vezes eles chegam aqui dizendo que gostariamde um produto específico. Quando falo que pode demorar dez anos, acham que não compensa.

A universidade está patenteando esta nova estirpe?
Este é um trabalho que começou em 2001. A patente já está depositada e o processo em andamento. Agora, uma coisa é todas as pesquisas e resultados obtidos em laboratório. Ainda é preciso testar o produto no campo, vendo a viabilidade em escala industrial. Quem está desenvolvendo este trabalho é o Biovet, a partir de um acordo firmado com a Unesp.

Foi um trabalho da universidade e um investimento de dez anos, cujo resultado é esta estirpe vacinal. Qual a contrapartida da empresa neste caso, já que terá um produto comercial depois?
Isto não compete diretamente a nós do laboratório. Quando me senti seguro em relação aos resultados do estudo, fiz um contato com a Fapesp. O objetivo era saber qual procedimento adotar, afinal o financiamento foi dela e do CNPq. A recomendação foi entrar em contato com um setor específico da Unesp, voltado para projetos de inovação. Um processo de solicitação de patente foi montado e a universidade contatou algumas empresas, entre elas o Biovet. Desde então, é este setor que cuida da questão. Não sei dos detalhes do acordo. Sempre sou consultado, mas em relação a parte técnica. Na parte burocrática, existe inclusive uma empresa contratada pela Unesp para cuidar do depósito da patente.

Em quanto tempo este produto deve chegar ao mercado?
Depende muito do registro dele junto aos órgãos competentes, após encerrada toda a parte de testes de campo. Mas, é uma coisa que não tenho conhecimento. O pesquisador atua durante toda a pesquisa e na rotina laboratorial. Nesta etapa burocrática, quem cuida são as instâncias competentes da universidade.

Quais benefícios esta vacina trará para a produção avícola do País?
O fato de sermos pioneiros é um incentivo para outros pesquisadores tentarem fazer o mesmo. Como pesquisador, penso sempre no auxílio que determinado estudo trará para a avicultura. Procuro sempre promover a interação entre o setor produtivo e a universidade. Tanto que anualmente realizamos um curso no mês de setembro [Curso de Atualização em Avicultura para Postura Comercial] visando trazer o avicultor para dentro da faculdade. O objetivo não é financeiro, mas demonstrar para o avicultor que estamos à disposição dele na tentativa de solucionar muitos de seus problemas de campo. Com relação à parte aplicada da vacina, as características dela permitem identificar a estirpe vacinal por meio de métodos microbiológicos moleculares. É um produto que aparentemente tem apresentado boas respostas em relação à imunidade, além de ser seguro. Todos os testes de virulência foram realizados. Todas as suas características são plenamente conhecidas. Comparativamente com as demais, não posso afirmar se é melhor ou pior, mas é uma vacina que pode contribuir bastante para o sucesso dos programas de sanidade da avicultura brasileira.

Fonte: Avicultura Industrial

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