Gestão

Contribuições do setor agropecuário para a economia brasileira

Em entrevista à Revista Viver Brasil, o Presidente da FAEMG, Roberto Simões fala sobre a contínua contribuição do agronegócio para a economia brasileira, especialmente valiosa em tempos de crise


Publicado em: 16/09/2015 às 00:00hs

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Roberto Simões: Presidente da FAEMG
Por: Sueli Cotta

Salvação da economia

Presidente da Faemg diz que, se o governo investir no agronegócio, terá resposta mais rápida e não precisará aumentar impostos. Mas aponta dificuldades para conseguir financiamentos e os altos custos de insumos.

O agronegócio é um dos poucos setores a manter o ritmo de crescimento, mesmo com o agravamento da crise política e econômica brasileira e com os problemas ocasionados pelo longo período de seca. Mas as dificuldades enfrentadas pelos produtores para conseguir financiamentos para a próxima safra e os custos dos insumos, devido à alta do dólar, podem inviabilizar o setor. O governo diz que tem dinheiro, só que os bancos oficiais aumentaram as exigências para liberá-los. Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Roberto Simões, os recursos estão escassos e caros. Por isso, está difícil prever o que pode acontecer com o setor, caso seja mantida a política adotada pelo governo federal. Ele critica também o fraco desempenho da diplomacia brasileira, que passou longos anos falando de índios e afrodescendentes e se esqueceu de defender os produtos no mercado externo, apesar do peso do agronegócio, que representa 23,3% do PIB brasileiro e 42% das riquezas mineiras.

Revista Viver Brasil: A agricultura é um dos poucos setores que tem apresentado bom desempenho em meio à crise financeira e política que afeta o país. Como o setor está sobrevivendo?

Roberto Simões: Minas Gerais tem uma agropecuária extremamente diversificada: café, leite, grãos, hortifrúti e animais, bovinos, suínos. Temos a maior floresta plantada, cana-de-açúcar, um leque vasto. Na medida em que você diversifica, diminui os riscos. Quando um produto está mal, o outro está bem e compensa. Essa é uma das razões para a agropecuária mineira ser uma das mais sólidas do país, embora, na maioria das vezes, não seja reconhecida. Cada região tem a sua vocação e desenvolveu essa variedade. O segundo ponto é que nosso produto final é o alimento. E até hoje, apesar dos astronautas terem desenvolvido alimentos em pílulas, a população vive é de feijão, arroz, milho, soja, carne, leite, ovos, enfim, é um produto que você não para de comer. É um setor que, por pior que esteja a economia, é o último segmento que o ser humano vai cortar. Ele tira vestuário, luxos e o que for supérfluo, mas a alimentação é questão de sobrevida. Por isso, o setor tem sobrevivido. Mas não é imune aos problemas, nós não somos uma ilha.

Revista Viver Brasil: O governo mantém as mesmas carteiras de financiamento e de investimentos para o setor?

Roberto Simões: Por isso, digo que nós não somos uma ilha. Nós já começamos a ser afetados. Este ano os financiamentos estão escassos e caros. Mudou muito. O que é preciso entender é que o setor beneficia muito a sociedade na medida em que lhe dá segurança alimentar em quantidade, com a garantia de que não vai faltar comida como ocorre na nossa gloriosa Venezuela, e você tem a qualidade dos alimentos produzidos. Se o governo investir na agricultura, a resposta sempre será positiva. Talvez fosse mais inteligente investir mais na agricultura para gerar receitas e pagar as contas que eles criaram, do que aumentar os impostos. O aumento vai acarretar a perda da capacidade de compra das pessoas e diminuirá o consumo mais ainda. Investe na agricultura porque dá retorno. Ela tem dado exemplo ao longo dos séculos de que sustenta a economia, gera recursos, empregos e produtos. O investimento na agricultura é o que traz a melhor e mais rápida resposta, em relação a todos os outros setores.

Revista Viver Brasil: Qual foi o corte nos investimentos e financiamentos do governo federal?

Roberto Simões: Teoricamente a quantidade é crescente, nas divulgações feitas pelo governo. Só que, quando você vai ao banco, a realidade é outra. O banco está exigindo mais garantias, está mais severo na análise de risco, porque não quer ter prejuízo, e fica mais rigoroso na hora de conceder o crédito. Com isso, obtém-se menos recursos do que o necessário. Os agricultores, de modo geral, acabam buscando financiamento em outro segmento, seja nos fornecedores de insumo ou no mercado paralelo, o que leva a altas taxas de juros praticadas, que podem comprometer depois o resultado financeiro. Nós estamos hoje em um ambiente que exige muita cautela, muito cuidado para seguir fazendo essa agricultura benéfica, que gera renda, alimentos, empregos, segurança e alimentos relativamente baratos.

Revista Viver Brasil: Essa situação já é percebida no resultado da produção?

Roberto Simões: Não caiu ainda porque nós estamos colhendo a safra de outra fase, quando o dólar estava a pouco mais de 2 reais e colhida com o dólar valendo 3 reais e tanto. O que quer dizer que a safra está se beneficiando dessa variação do dólar. E nesse momento, vamos plantar uma safra com o dólar a 4 reais ou próximo a esse valor. Com isso, os insumos importados, adubos, defensivos agrícolas e outros itens terão os valores lá para cima. Teremos o aumento do custo de produção. Por isso é importante ter cautela, porque o agricultor pode ter problemas futuros. É essa a situação: você planta uma safra com custo mais alto, tem preço no mercado que não deve ser tão alto. Como fechar essa conta? É preciso cautela e avaliar para ver como vamos seguir daqui para frente.

Revista Viver Brasil: O ano de 2016 está indefinido para a agricultura?

Roberto Simões: Nós estamos em uma encruzilhada ou, como dizem os economistas, em uma inflexão da curva. Além disso, a população está diminuindo o consumo, devido à queda de receita e o aumento da inflação. É preciso ter cuidado em um quadro dessa natureza. E depende muito do que vai ocorrer daqui até lá. No meio dessa crise nós tivemos problemas com a seca, que prejudicou as plantações de café e outros produtos. Temos alguns problemas de dívidas ainda por resolver e essa situação pode se agravar daqui para frente. É um período que precisa de uma compreensão muito grande, de análise por parte dos governos e dos produtores para chegarmos a uma posição mais real.

Revista Viver Brasil: O que amenizaria os problemas no setor?

Roberto Simões: Provavelmente alguma recomposição de saldos bancários de fluxo de caixa, que já é previsto em legislação nos casos climáticos, com comprovação das perdas e do estado de calamidade pública. Haveria recomposição do fluxo e dotação adequada de recursos para os financiamentos dentro dos prazos estabelecidos porque a agricultura tem prazos que você não pode adiar. Estamos chegando na época de plantio e os recursos, se não vierem, ficam para o outro ano.

Revista Viver Brasil: O governo tem sinalizado que vai ajudar? O vice-governador de Minas, Antônio Andrade, é do setor.

Roberto Simões: Os grandes instrumentos de apoio à agricultura vêm da esfera federal e até hoje nós não tivemos nada de novo em relação ao setor. Falam que Minas Gerais levou tinta nos governos anteriores porque era de oposição. Agora que é amigo, o governo federal quebrou.

Revista Viver Brasil: Como os ministérios da Agricultura e Fazenda se posicionaram em relação a esses problemas?

Roberto Simões: O Ministério da Agricultura conhece bem os problemas do setor porque a senadora Kátia Abreu ( PMDB-TO) veio da Confederação Nacional da Agricultura e é uma otimista. Sabe que sempre contribuímos muito. Ela continua sendo otimista e acredita que vamos resolver todos os problemas, mas até o momento...

Revista Viver Brasil: Até quando o setor aguenta essa situação?

Roberto Simões: Existem prazos. A safra tem que ser fundada agora. Além disso, as dívidas começam a vencer em setembro e outubro. E não há recursos disponíveis com facilidade. E ainda há alguns fatos curiosos. A senadora está nessa linha de dizer que não faltam recursos. Apresentaram a ela uma carta reclamando. Ela perguntou quem assinou a carta. Responderam que era o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Irajá Abreu, filho dela. Daqui por diante estamos em uma nova encruzilhada, que depende de saber se vão apoiar o setor ou não.

Revista Viver Brasil: O governo tem falado em aumentar impostos, cortar custos e investimentos, essas medidas prejudicam o setor?

Roberto Simões: Só penalização. Eu te pergunto em que o governo federal cortou? Reduziu as verbas que tinha orçado como estamos vendo aí com saúde e educação. Mas e os gastos públicos?

Revista Viver Brasil: A agricultura está conseguindo manter a empregabilidade?

Roberto Simões: Ainda sim. Mas daqui a pouco termina a safra de café, a de cana e os produtores começam a liberar os trabalhadores. Mas até então tem mantido os postos e está até crescendo, enquanto nos outros setores cai.

Revista Viver Brasil: O mercado externo é uma alternativa para o agronegócio?

Roberto Simões: Sem dúvida as exportações são muito bem-vindas e são eficientes para trazer recursos, ainda mais agora, com a alta do dólar. Quem exporta hoje está sendo beneficiado. Mas a maior parte da produção fica no Brasil, nós temos um mercado interno excelente e grande. Ainda assim, as exportações têm sido fundamentais para trazer o equilíbrio entre a oferta e a demanda, e para fazer receita. A carne bovina, por exemplo, 20% da produção vai para a exportação e 80% são consumidos no mercado interno.

Revista Viver Brasil: O senhor está percebendo uma diminuição no consumo interno?

Roberto Simões: Esse modelo brasileiro com os gastos da família já está se esgotando. As famílias estão endividadas e cai o poder de compra. Nós podemos ver esse problema com a queda de mercado. A demanda externa ainda está forte, apesar da China ter diminuído os pedidos. Temos a Europa se recuperando lentamente, os Estados Unidos, mais acelerado. Há mercados novos, os orientais, que fazem uma demanda externa razoavelmente estável. Podem até não estarem crescendo muito, mas estão bem.

Revista Viver Brasil: O senhor arrisca um prognóstico para 2016 e 2017?

Roberto Simões: Está cada vez mais difícil se fazer um prognóstico. Ninguém hoje se arrisca muito, mais dos analistas que nós a informação é a de que não é para se esperar muito. Poderá haver uma estabilidade, que já estaria bom demais, ou queda da economia. São 2 anos que, segundo os analistas, nós não precisamos esperar grandes feitos.

Revista Viver Brasil: A Faemg tem investido em eventos grandes, como a Semana Internacional do Café. É uma alternativa para vender os produtos?

Roberto Simões: São essas nossas lutas permanentes para promover os produtos e mostrar a qualidade do café. Mostrar para o consumidor interno como se faz um bom café e, com isso, aumentar a demanda pelo produto. Mostrar que somos excelentes produtores, temos as mais variadas qualidades de grãos para que eles possam fazer os melhores blends, estimulando o nosso produtor a classificar produtos, especializar-se, buscar a sustentabilidade. Procurar produtos diferenciados com valor agregado, como os cafés gourmet, os orgânicos, enfim, diferenciar produtos. Nós estamos fazendo isso com frutas na região do Jaíba. O brasileiro já está indo nas cafeterias, aprendendo com os baristas a temperatura certa, o filtro que deve usar. A demanda pelo café no mundo tem crescido em média de 2% ao ano, de forma contínua. A demanda pelos grãos de qualidade tem aumentado entre 10% a 12% ao ano. A população brasileira é a segunda consumidora mundial, com chance de ultrapassar os Estados Unidos, que são os primeiros devido ao crescimento da demanda. Nós estamos aprendendo a fazer café de qualidade.

Revista Viver Brasil: E essa qualidade como é vista no exterior?

Roberto Simões: O Brasil tem sido, historicamente, um mau vendedor do seu produto. Ele mais compra do que vende. Eu ouço uma lenga-lenga aí de que é preciso fazer campanha de valorização dos nossos produtos. Tem 500 anos que nós escutamos isso. Mas a tendência é a de melhorar. Nós vamos à feira mundial de Milão no dia 26 e vamos participar de várias reuniões e seminários na Organização Internacional de Café. Teremos a oportunidade de mostrar a qualidade dos nossos produtos, a nossa variedade, a certificação de café do cerrado, da Mantiqueira, das matas de Minas. Mas a atuação da nossa diplomacia na promoção dos produtos brasileiros é ainda fraquíssima. O Itamaraty, por longos anos, só falava em índios e afrodescendentes. Estamos divulgando os nossos produtos porque conseguimos, por força da Confederação Nacional da Agricultura, voltar aos adidos agrícolas e já temos uma meia dúzia de produtos, é pouco, mas pelo menos temos alguns na Europa, nos Estados Unidos e em outros mercados.

Fonte: Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais - FAEMG

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